Artigo - 16/04/2020 | Escrito por Daniel Romeiro, Camila Crivilin e Larissa Pettengill

A atividade jurisdicional criminal e a covid-19

Diante da pandemia da covid-19, assistimos ao Poder Judiciário brasileiro estabelecer, nas últimas semanas, uma série de medidas pautadas na regra de isolamento social para a prevenção do contágio, mas que foram efetivadas com o especial fim de garantir a prestação jurisdicional em todo o território nacional.

O Conselho Nacional de Justiça, por exemplo, estabeleceu a Resolução nº 313 de 19/3/2020, na qual, apesar de suspender os prazos processuais e o trabalho presencial de magistrados e servidores nas unidades judiciárias, preocupou-se em manter a distribuição de novos processos, o proferimento de sentenças, decisões e despachos, bem como as atos jurisdicionais de urgência, como a análise de habeas corpus, mandados de segurança, medidas liminares, pedidos de prisão e de liberdade, buscas e apreensões e interceptações telefônicas.

Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal, o qual não se submete às normas do CNJ, aprovou regras próprias. Foram suspensos os prazos processuais tão somente em processos físicos (correspondente a apenas 5% dos processos em trâmite perante a Corte), assegurando-se o fluxo dos processos de natureza urgente, como pedidos de liberdade, de substituição da prisão por medidas cautelares diversas, de progressão ou de regressão de regime prisional e de representações da polícia ou do Ministério Público visando à decretação de prisões ou de buscas e apreensões.

Mas o que mais chama atenção no âmbito do Supremo Tribunal Federal é, sem dúvidas, a edição da Emenda Regimental nº 53 e da Resolução nº 672. A primeira ampliou as hipóteses de julgamento em ambiente eletrônico (o denominado julgamento virtual), prevendo inclusive a realização de sustentação oral pelos representantes das partes (ainda que por um criticável envio prévio de gravação audiovisual da sustentação). Já a segunda, possibilitou a participação, à distância, de Ministros e representantes das partes nas sessões presenciais (a sessão por videoconferência).

Na prática, agora, todas as ações e recursos, como ADIs, ADCs, Habeas Corpus e Recursos Ordinários, podem ser julgados em ambiente eletrônico, o que representa modificação relevante na prática da Corte Suprema.

Esse movimento, de trazer cada vez mais os processos criminais para o ambiente eletrônico, foi verificado também nas instâncias inferiores. O Superior Tribunal de Justiça, por meio das Resoluções nº 5 e nº 6/2020, determinou o cancelamento das sessões presenciais, substituindo-as pelas virtuais, no que for possível. E no último dia 24 de março, aprovou a Emenda Regimental nº 96/2020, permitindo, pela primeira vez na sua história, julgamentos virtuais de recursos internos de natureza criminal (agravos regimentais e embargos de declaração).

Seguindo diretriz do CNJ, o Tribunal Regional Federal da 1º Região também editou normas tratando sobre o funcionamento das Turmas e das Varas durante o período da pandemia da covid-19 e, no mesmo sentido dos demais Tribunais, criou sessões de julgamento virtuais e por videoconferência, inclusive nas Turmas Criminais, possibilitando sustentação oral por meio de aplicativo.

Já o maior Tribunal do Brasil, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, saiu na frente dos demais quando editou o Comunicado 264/2020, abrindo a possibilidade de comunicação entre magistrados e representantes das partes (os chamados "despachos") por meio de videoconferência previamente agendada.

Como se vê por meio desses exemplos, o Judiciário brasileiro se adaptou ao período de pandemia da covid-19, adotando práticas que, por um lado, evitam aglomerações e contatos físicos entre seus membros e a população em geral, mas, por outro, mantém a continuidade da prestação jurisdicional por meio da tecnologia.

Chama a atenção a ampliação e, em alguns lugares, a criação de ambientes virtuais de julgamento e a inclusão de processos criminais nessa modalidade de sessão, até então restrita, na maioria das cortes, a feitos de outras naturezas, como cíveis e tributários.

Há, porém, muito o que se aperfeiçoar quanto a esses novos meios de prestação jurisdicional. Por exemplo, quanto aos julgamentos virtuais, a forma de sustentação oral (gravada previamente), que pode ser facilmente convertida a uma mera burocracia do julgamento, e também quanto à publicidade, já que os modelos atuais não permitem que as partes tomem conhecimento do inteiro teor dos votos durante o desenrolar da sessão, nem que façam qualquer manifestação, tal como numa sessão presencial tradicional.

De toda forma, parece inegável que essas alterações, embora tenham surgido em época de uma crise sem precedentes, não irão embora junto com a pandemia, devendo ser incorporadas ao que se tem chamado de "nova normalidade" pós-covid-19.

É importante, assim, que os tribunais chamem os atores da justiça, a advocacia, Ministério Público, defensorias públicas e magistrados para que, passada a fase aguda da crise, seja reaberta a discussão sobre essas novas modalidades de prestação jurisdicional, aperfeiçoando-as, de forma que a ampla defesa e o contraditório se façam presentes e se mostrem efetivos nesses novos tempos.

*Daniel Romeiro, Larissa Pettengill e Camila Crivilin, advogados criminalistas em Brasília

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